sábado, janeiro 28, 2006 

DESCUIDOS E OBSCENIDADES

A cobertura da campanha para as "Presidenciais 2006" motivou alguns protestos por parte dos leitores do PÚBLICO.

CAVACO SILVA

"Escrevo-lhe para chamar a atenção para dois delitos que, na minha opinião, o Público cometeu na sua edição de 19 de Janeiro, ambos respeitantes à cobertura da campanha eleitoral para as eleições presidenciais.
Em primeiro lugar, gostaria de registar uma contradição entre dois títulos concebidos para a mesma notícia: na capa diz-se que 'INCIDENTES COM A JSD ESTRAGAM CAMPANHA DE CAVACO EM COIMBRA', ao passo que na página 3 se refere que 'INCIDENTE NÃO ESTRAGA DIA CHEIO DE CAVACO EM COIMBRA'.
Parece-me que se diz uma coisa na chamada de Primeira página e o seu contrário no título do texto.
Parece-me que a lógica de escolha do título para a capa da edição centro encerra alguma perversidade, já que contraria aquilo que se diz no interior do jornal. Parece óbvio que o propósito foi o de criar um título com impacto para atrair leitores, expediente que é aceitável desde que se cumpram as regras da honestidade e rigor. Talvez não tenha sido o caso...", escreve Manuel Martins, um leitor de Aveiro.

De facto, o título da Primeira página (Edição Porto) está em total contradição com o da reportagem, publicada na página 3 da mesma edição.

Os títulos, "elementos centrais da peça jornalística"(segundo o Livro de Estilo do PÚBLICO), acabam por confundir o leitor em vez de o esclarecer.

O Provedor pediu explicações à editora da secção de Nacional do PÚBLICO.
"Quando se deu (em Lisboa) pelo erro na chamada da Primeira Página e se efectuou a correcção, o material já tinha seguido para o Porto e ninguém deu por isso. Foi um erro de descuido na informação que devia ter sido facultada ao Porto: aquela chamada foi alterada por estar incorrecta", responde São José Almeida.

A justificação da editora é perfeitamente plausível, mas o PÚBLICO errou.

O segundo "delito" (sic) apontado pelo leitor Manuel Martins parece mais controverso.
"Justamente nesse texto, o jornalista Nuno Sá Lourenço optou por ser talvez excessivamente descritivo, ao contar que tipo de insultos foram proferidos durante os tumultos registados com a caravana de Cavaco Silva em Coimbra. É verdade que uma reportagem deve ter cor e vivacidade e deve ser descritiva, mas talvez tenha sido de algum mau gosto o recurso às citações 'vai para o caralho' ou 'porco capitalista é o teu pai'. Julgo que os leitores teriam sido bem informados se o jornalista se tivesse limitado a dizer que houve insultos e que foram trocados palavrões", escreve o leitor.

O Livro de Estilo do PÚBLICO estipula que "não são admissíveis as obscenidades, blasfémias, insultos ou qualquer tipo de calão, excepto quando são essenciais à fidelidade da notícia ou da reportagem - e após consulta do editor."
Era pois necessário apurar se a reprodução dos insultos era essencial à fidelidade da reportagem.
O Provedor interpelou o jornalista autor da reportagem e a editora da secção de Nacional.
"Os insultos foram reproduzidos tal como foram proferidos precisamente porque aqueles que os proferiram não eram só "um grupo de jovens apoiantes locais". Eram dirigentes da JSD local, de Coimbra, e directamente comprometidos com a candidatura de Cavaco Silva. Candidatura essa que passou as duas semanas anteriores a agradecer e elogiar os jovens que o acompanhavam, dizendo mesmo serem os jovens aqueles que iriam "tirar do buraco" o país. Achei pertinente que os leitores do PÚBLICO ficassem a saber que tipo de linguagem usavam os jovens apoiantes de Cavaco Silva. Até porque o próprio tentou marcar a diferença em relação aos outros candidatos por aí. Ouviu-o discursar inúmeras vezes dizendo o seguinte: 'Já todos conhecem os diferentes carácteres, as personalidades de cada um até mesmo a sua linguagem'. Uma candidatura também se define por aqueles que a apoiam...", explica o jornalista.

A editora São José Almeida partilha a opinião do repórter: "Os palavrões foram mantidos no texto porque retratam a realidade. Não foram proferidos por irresponsáveis do ponto de vista político, foram proferidos por responsáveis da JSD, estrutura de juventude do PSD, e apoiantes de Cavaco. Daí o facto de termos privilegiado os incidentes. Não foi um incidente menor. Foi um incidente politico de agressão a pessoas que se manifestavam. Mais, considero que o jornalismo deve retratar a realidade e não deve omitir nada nem censurar expressões. Se foram ditos palavrões o jornalista deve relatá-los na integra."

De acordo com o Livro de Estilo "se se considera devida a transcrição de tais termos, então não se usam rodeios hipócritas e de gosto duvidoso, como "filho da p...". Escrevem-se com todas as letras."
Existia, portanto, justificação editorial para a transcrição dos insultos (e na íntegra).

Este caso, aliás, não é inédito. O PÚBLICO transcreveu, por exemplo, no domingo 5 de Junho de 2005, declarações do mesmo teor proferidas por Alberto João Jardim, presidente do governo regional da Madeira.
"Eu vou receber aquilo a que tenho direito e não vou fazer de bode expiatório, nem ser diferente dos outros por uma questão de demagogia. Há aqui uns bastardos da comunicação social do Continente, digo bastardos para não dizer filhos da puta, que aproveitaram este ensejo para desbar o ódio sobre a minha pessoa", afirmou o líder madeirense. Tais declarações foram publicadas pela mesma razão.

O Provedor considera que os jornalistas não devem chocar gratuitamente os leitores, mas a reprodução das obscenidades é aceitável quando as mesmas têm repercussões, designadamente, a nível político. E foi o caso.

MÁRIO SOARES

A nota relativa a Mário Soares no chamado "Quadro de Honra" do suplemento DiaD, de 2 de Janeiro de 2006, foi contestada por um leitor de Lisboa.

Segundo a referida nota "apesar de se queixar do contrário, é o candidato presidencial que tem desfrutado de mais espaço noticioso nas televisões. Os eleitores podem não estar convencidos, mas os editores não resistem ao ex-presidente".

"Não questiono, evidentemente, a legitimidade dos nossos políticos serem submetidos a este tipo de avaliações (embora a sua pertinência me pareça mais duvidosa, na medida em que tende a reduzir a política a uma espécie de competição semanal para ver quem produz o melhor sound-byte), mas, francamente, num suplemento de economia com as características do DiaD isto soa a chicana política da mais rasteira possível - o que talvez não seja de espantar dado o anti-soarismo feroz que o seu director, João Cândido da Silva, destila nas crónicas que ao Sábado publica no caderno principal do PÚBLICO", escreve o leitor Pedro Aires Oliveira no seu e-mail.

O Provedor pediu explicações ao director da DiaD, João Cândido da Silva.
"É uma opinião, tão respeitável como qualquer outra. O "Quadro de Honra" limitou-se a registar algumas das ocasiões em que o candidato em causa inspirou o nosso sarcasmo. O facto de Mário Soares ter surgido com mais frequência nesta secção satírica da DiaD, deve-se, exclusivamente, ao seu desempenho. De facto, como até se verificou pelo desfecho das eleições, Mário Soares foi irrelevante para os eleitores e, por este facto, acabou por obter um "score" patético. Não vale a pena ensaiar qualquer teoria da conspiração: foi só isto, não houve mais nada", responde João Cândido da Silva.

O sarcasmo é, portanto, justificado pelo desempenho de Mário Soares e a constatação (a priori) que "foi irrelevante para os eleitores".
Pode não haver "teoria da conspiração", mas que parece haver, lá isso parece. É a opinião do Provedor.

O director do PÚBLICO complementa a argumentação do director da DiaD.
"Na referida rubrica da DiaD, tal como noutros espaços do jornal (designadamente na coluna "sobe e desce" do Nacional, mas há mais espaços semelhantes no Desporto, na Cultura, na Economia, etc.), as opiniões expressas são da responsabilidade de quem as assina. A política da direcção é dar liberdade de expressão às diferentes sensibilidades de editores e jornalistas, pois este não é um jornal de tendência. Às vezes vão num sentido, outras vezes noutro e nem sempre coincidem com as do director ou da direcção, mas esse pluralismo é saudável e estimulante. A responsabilidade do PÚBLICO pela DiaD é integral, tal como pelo Inimigo Público. Essa responsabilidade implica coordenação e debate sobre as opções tomadas, mas não censura prévia. As equipas que as realizam, quando têm dúvidas sobre algum detalhe das suas escolhas, colocam-nas à direcção do jornal, tal como fazem os responsáveis das diferentes editorias e dos suplementos produzidos, por assim dizer, 'dentro' da redacção. Assim, da mesma forma que por vezes opções editoriais tomadas na voragem de cada dia são questionadas na reunião diária da direcção com as chefias, o mesmo sucede com as opções das revistas e suplementos que são do PÚBLICO, como esses dois. No caso concreto citado pelo leitor, o tema foi objecto de debate numa dessas reunião, tendo esse debate sido transmitido ao responsável pela DiaD, João Cândido da Silva. Todos esses produtos têm de obedecer às regras do Livro de Estilo do PÚBLICO, o que nesse caso não deixou de ocorrer, pois trata-se de espaços onde a opinião é livre. Mesmo no Inimigo Público, sendo um jornal humorístico de notícias 'que não aconteceram mas podiam ter acontecido' o limite é o bom senso e o bom gosto, algo que julgamos ter alcançado de uma forma geral. Esses produtos são opção editorial do Público, sem qualquer hesitação ou vergonha", diz José Manuel Fernandes.

JERÓNIMO DE SOUSA

"Leio o PÚBLICO todos os dias e agora estou mais atenta às páginas dedicadas às eleições presidenciais. Não pertenço a nenhuma candidatura, nem sou nenhuma porta-voz. Simplesmente reparo que o tratamento que é dado à candidatura de Jerónimo de Sousa tem sido manipulador. Nunca foi feita nenhuma abertura nas páginas da campanha com Jerónimo de Sousa, ao contrário dos outros candidatos. Nem mesmo no dia em que estiveram 20 mil pessoas no Pavilhão Atlântico... gostaria de ter lido mais, porque, afinal, foi o primeiro politico a encher a maior sala de espectáculos que existe em Portugal. A isto, como leitora do PÚBLICO, terei que chamar mau profissionalismo. O porquê não sei, sendo o PÚBLICO o jornal de referência em Portugal", denuncia a leitora Ana Teixeira.

O Provedor solicitou esclarecimentos a São José Almeida.
"Quanto ao alinhamento das peças de cobertura do dia de campanha, este alinhamento foi rotativo. O PCP abriu esse alinhamento três vezes, a 6, a 9 e a 19 de Janeiro. Soares abriu três vezes, Alegre e Louçã duas, Garcia Pereira nenhuma. Cavaco abriu quatro porque beneficiou do facto de no último dia o alinhamento ter sido determinado pela tendência expressa na sondagem que o PÚBLICO publicou", responde a editora.

Conclusão: a leitora não tem razão.
Mesmo se Jerónimo de Sousa tivesse tido menos destaques, isso não significaria, necessariamente, que houve manipulação.
Os jornalistas regem-se por critérios editoriais. E um destaque é sempre uma opção editorial. Legítima ou não é algo que não me compete decidir.

segunda-feira, janeiro 23, 2006 

RE-PROMISCUIDADES

Patrick Dias da Cunha, administrador da Precision Portugal, escreveu ao director do PÚBLICO a queixar-se da crónica do Provedor publicada na passada semana.

Ponto por ponto a missiva da Precision e as respostas do Provedor:

"1. Quanto à natureza do texto de Margarida Pinto Correia (MPC), intitulado "O outro lado do Dakar", ele é, de forma inequívoca, uma crónica e não um texto publicitário."
A natureza dos textos é definida apenas em função de critérios editoriais que só dizem respeito ao PÚBLICO.
O que é questionado na crónica é o PÚBLICO e a publicidade não assinalada.

"1.1. O projecto apresentado ao Público pela Precision refere-se, de uma forma muito explícita, aos objectivos da reportagem e, em particular, às suas três vertentes: "A Precision irá produzir uma reportagem sobre o dia-a-dia de uma equipa e do ambiente que rodeia o Dakar, que incidirá a) nas peripécias diárias que um piloto e a respectiva equipa vivem neste tipo de competição, b) nas pequenas histórias que vão acontecendo na caravana que acompanha a prova, c) bem como na moldura de culturas, gentes e costumes dos países que a prova atravessa."
A Precision não pode produzir reportagens porquanto não é uma empresa de comunicação social e Margarida Pinto Correia já não exerce a profissão de jornalista.

"1.2. Em relação a MPC, não só a Precision lhe entregou o mesmo briefing, como lhe foi feito um pedido expresso, em princípio redundante, para não mencionar, em circunstância alguma, a actividade e os serviços da marca."
Se M.P.C. exercesse a profissão de jornalista, seria desnecessário entregar briefings e formular pedidos desse género. Não sendo M.P.C. jornalista, pode escrever o que quiser.

"(...) 2. Tendo em conta o esclarecimento dos leitores e, precisamente, o princípio fundamental de separação da informação e da publicidade, qual deve ser, então, o tratamento gráfico de um texto que, apesar de ser custeado por uma empresa, é, de forma inequívoca, uma crónica, e não é, portanto de forma também inequívoca, um texto publicitário?"
O facto de o texto ser custeado por uma empresa impede que o mesmo seja considerado um "produto" jornalístico.

"2.1. Parece-me que seria incorrecto assinalar os anúncios da coluna como "PUBLICIDADE", como sugere o Provedor, uma vez que, ao fazê-lo, o jornal estaria a induzir o leitor em erro quanto ao conteúdo da coluna, correndo o risco de ferir, precisamente, o princípio de separação entre informação e publicidade. Por isso a Precision fez questão que os textos de MPC fossem lidos de acordo com a sua verdadeira natureza, isto é, como crónicas genuínas. Caso o Público tivesse pretendido identificar as crónicas de MPC como "Publicidade", a empresa não estaria interessada no projecto, porque, de facto, as crónicas de MPC sobre "O outro lado do Dakar" não são, nem nunca pretenderam ser, propaganda comercial."
A única certeza é que o texto de M.P.C. não é jornalismo. E isso não é explicitado na coluna. À semelhança da publicidade da Precision.

"2.2. O Provedor também sugere separar os anúncios associados à coluna de MPC da respectiva crónica, e publicá-los em áreas diferentes do jornal. Isto sim seria, em meu entender, uma total falta de transparência."
O que o Provedor defende (com base no Livro de Estilo, cujo ponto 123 estipula: "deve evitar-se a inserção de publicidade a objectos ou acontecimentos nas mesmas áreas do jornal em que esses objectos ou acontecimentos forem tratados pela Redacção") é que a publicidade da Precision não devia aparecer nas páginas que tratavam o Dakar.
É uma regra discutível, mas é a que existe.

"(...) 2.4. Parece-me que este é o método mais rigoroso de comunicar a verdadeira natureza do texto e do projecto em causa e de, ao mesmo tempo, assegurar à empresa patrocinadora a rentabilização do seu investimento, conciliando de forma transparente os interesses em questão com os princípios fundamentais do jornalismo. Sou um leitor assíduo do PÚBLICO e já li com interesse reportagens assumidamente patrocinadas por marcas e assinadas por jornalistas do jornal. Não me fez confusão ver, recentemente, o logótipo de uma marca a encabeçar uma determinada reportagem, nem as referências pontuais que o jornalista faz, no meio do seu texto, ao nome da referida marca. Essas referências não desvirtuaram a natureza dessa reportagem nem a transformaram num texto publicitário. Quando a relação é transparente e o texto é, de forma inequívoca, uma crónica ou uma reportagem, todos - leitores, jornal e patrocinadores - teríamos a perder se o assinalássemos como "Publicidade". E se o jornal o fizesse estou em crer que muitas excelentes reportagens deixariam de ser realizadas."
As reportagens e as crónicas não servem para rentabilizar investimentos. A isso chama-se publicidade ou propaganda comercial (legítimas), mas não pode ser confundida com informação, a qual se rege por normas e princípios de independência.
O Provedor gostaria de ter conhecimento das referidas "reportagens assumidamente patrocinadas por marcas e assinadas por jornalistas".

"3. O princípio da separação entre informação e publicidade é um tema interessante e admito que possa ser sujeito a várias interpretações. É natural que um ou outro leitor tenha dúvidas sobre estas questões e considero que um Provedor pode contribuir de forma decisiva para o seu esclarecimento, desempenhando um papel importante num jornal de referência como o Público. Nos pontos 1. e 2. tive a preocupação de esclarecer o ponto de vista da Precision."
"(...) 4. Já no que respeita ao título "Promiscuidades", considero que o Provedor prestou um mau serviço aos leitores e ao jornal. Para além de ser ofensivo - para MPC, para a Precision e para o próprio jornal - o título é opinativo, influenciando logo à partida o leitor. Tratando-se de uma matéria que, segundo o Provedor, é controversa, não se deveria deixar ao leitor a liberdade de formar a sua própria opinião? Neste caso, o Provedor foi deveras infeliz, dando um mau exemplo ao fazer ele próprio com o título o que tanto é criticado nos jornais que não são de referência, e ferindo, assim, um dos princípios pelos quais tem a responsabilidade de zelar. Creio que um título sóbrio e neutro seria mais adequado quer às responsabilidades de um Provedor de um jornal de referência quer ao rigor que lhe deve ser exigido."
Os jornais e o jornalismo obedecem a regras e legislação específicas e o Provedor dos Leitores existe exactamente para dar a sua opinião, defendendo uma relação de transparência entre o PÚBLICO e os seus leitores.
O jornalismo serve para informar. A publicidade e a propaganda comercial servem para convencer. A mistura destes géneros chama-se promiscuidade.

PS - O texto integral da Precision está disponível no seguinte endereço web: www.publico.pt/provedor/cartas

quinta-feira, janeiro 19, 2006 

PROMISCUIDADES

Notícia, opinião ou publicidade encapotada?
"Nas páginas dedicadas ao Lisboa-Dakar", constata o leitor Gabriel Silva, "têm sido publicadas diariamente duas crónicas. Uma assinada pelo piloto Carlos Sousa, sendo bem visível na sua foto os logótipos da TMN e Galp. E uma outra de Margarida Pinto Correia, enquadrada com patrocínios da empresa Precision, a que acresce anúncio de 1/4 de página da mesma empresa."O leitor indaga: "Tais colunas de opinião são uma opção editorial do jornal ou um espaço publicitário pago pelos patrocinadores ali identificados? Os cronistas são pagos? Pelo jornal ou pelos patrocinadores, ou por ambos? Os cronistas de outras secções poderão vir a ter patrocínios?"
As perguntas são pertinentes.
José Manuel Fernandes, director do jornal, considera que "a cobertura do Dakar privilegia a componente jornalística, isto é, os textos noticiosos e as reportagens dos jornalistas do PÚBLICO, como é natural e nem outra coisa poderia acontecer. Aqueles textos são complementares e, servindo aos seus patrocinadores, também acrescentam valor ao que no conjunto o jornal oferece diariamente".

CARLOS SOUSA

Segundo Carlos Filipe, editor do Desporto, o piloto escreve "na condição de agente desportivo profissional/concorrente ao Rali Lisboa-Dakar" e "é claramente um texto de opinião".
O director confirma: "É uma espécie de diário da prova escrito na primeira pessoa. Sendo ele o principal corredor português, e sendo este tipo de diário uma forma habitual de tratar jornalisticamente uma prova como aquela, entendemos que era do interesse do jornal aceitar a oferta da Galp, mesmo estando cientes de que o Carlos Sousa surgiria da mesma forma que surgem todos os pilotos e que na sua fotografia se veriam os logótipos da Galp tal como se vêem em todas as fotos que publicamos do seu carro em prova."
De facto, o piloto é explicitamente identificado (segundo as disposições do Livro de Estilo) pelo nome, estatuto e vínculo profissional. Tal informação permite, portanto, aos leitores perceberem em que qualidade Carlos Sousa escreve a coluna.
José Manuel Fernandes, esclarece, por outro lado, que não há cronistas patrocinados "nem no desporto, nem em qualquer outra secção."
Mas a questão do leitor permanece válida em relação às marcas publicitadas.
"As menções ditas publicitárias assim não me parecem", observa o editor do Desporto. "Vejamos: o piloto está inscrito pela equipa Team Nissan Galp Energia. Assim está homologada a equipa, o piloto, profissional, enverga o seu "fato de trabalho". Algo que, actualmente, está convencionado em toda a actividade desportiva profissional. Nos dias que correm, é impossível dissociar uns de outros, ou seja, os profissionais da empresa que os patrocina, que acaba por ser a promotora do evento/actividade desportiva de alto rendimento. Não há forma de fazer essa distinção, quando a imagem da actividade desportiva chega ao consumidor/leitor sem correr o risco de se desvirtuar/manipular a imagem, o que, em meu ver seria grave. Por muito que não se goste, a publicidade invadiu todos os espaços e adquiriu os direitos dos eventos. Muito dificilmente a informação consegue separar um do outro, mesmo que se mova única e exclusivamente com o objectivo de informar."
O director do jornal vai mais longe: "Hoje é quase impossível noticiar eventos desportivos sem fazer referências a marcas. Em qualquer fotografia de um jogo de futebol aparecem, nas camisolas dos jogadores, os logótipos das empresas patrocinadoras. Até os jogos das selecções nacionais não estão imunes. Há equipas de ciclismo que têm o nome de marcas. Há provas desportivas que têm o nome de marcas. Etc., etc. E no desporto automóvel há publicidade por todo o lado. Os purismos são impossíveis, pois trata-se de uma indústria de entretenimento muito cara. Ou não noticiamos, ou assumimos que a publicidade faz parte da paisagem. O público leitor ou telespectador já sabe que é assim."
Os argumentos dos dois responsáveis editoriais do PÚBLICO são perfeitamente aceitáveis.

MARGARIDA PINTO CORREIA

A publicidade associada à crónica de Margarida Pinto Correia é mais controversa. Em que qualidade escreve a acompanhante do rali para o PÚBLICO?
De acordo com José Manuel Fernandes, "os textos da Margarida correspondem a um diário de tipo diferente, com um estilo mais próximo do jornalístico, mas como que integrados no espaço de um anúncio pago. Para diminuir confusões, tivemos mesmo o cuidado de acrescentar a indicação de que ela viaja paga pela Precision, o que até pode parecer redundante, mas pareceu-nos tornar o estatuto mais claro para os leitores."
É um princípio de resposta...
De acordo com a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, Margarida Pinto Correia não exerce a profissão neste momento.
"A coluna da Margarida foi proposta no quadro de uma troca de espaço publicitário com benefício financeiro para o jornal. Ela não é colunista do jornal, não é paga por nós e a apresentação gráfica da coluna também é diferente quer das colunas de opinião, quer das dos textos informativos (a cara dela, por exemplo, não foi sujeita ao tratamento gráfico habitual nas colunas de opinião)", explica José Manuel Fernandes.
O tratamento gráfico diferenciado não impediu a confusão entre informação e propaganda comercial. Os anúncios da coluna de MPC e o próprio Passatempo Precision, uma iniciativa legítima, mas meramente comercial (com recurso a chamadas de valor acrescentado), deviam ter sido assinalados como "PUBLICIDADE" e (de acordo com o Livro de Estilo) publicados noutra área do jornal.
O director do PÚBLICO acrescenta: "A publicidade não surge assinalada especificamente como tal, porque nos pareceu que a separação era graficamente clara, tal como prevê o Livro de Estilo. Só costumamos assinalar os espaços de publicidade com a palavra "publicidade" quando sentimos que pode existir essa confusão. É, naturalmente, um julgamento subjectivo."
O respeito do princípio de separação da informação e da publicidade deve sempre prevalecer sobre os julgamentos subjectivos.
O PÚBLICO podia começar a assinalar todos os anúncios (sem excepção) como "PUBLICIDADE", para evitar promiscuidades.

PS: Há leitores que formulam acusações ao PÚBLICO e aos seus jornalistas sem as fundamentar. Esta circunstância é, por vezes, agravada pelo recurso (sempre incómodo) ao anonimato. Para que o provedor possa pronunciar-se, precisa de factos concretos devidamente confirmados. E não tenho poder nem vocação para efectuar reportagens de investigação, designadamente, no seio do meu próprio jornal.

 

INTERESSE (DO) PÚBLICO

Seria porventura mais pertinente só revelar os nomes dos “criminosos” depois de antecipar algumas das críticas que os meus caros colegas jornalistas não deixarão de me fazer, mas não resisto.
Miguel Sousa Tavares, José Manuel Barata Feyo, Dominique Audibert (do semanário Le Point) e Bill Kovach, o meu proeminente curador da Nieman Foundation For Journalists, na Universidade de Harvard (e ex-responsável de The New York Times, em Washington, considerado por alguns “a consciência do jornalismo norte-americano”) são os principais responsáveis.
Bill foi mesmo mais longe: “Aceita o lugar de provedor. É uma forma de ajudares o público e a próxima geração de jornalistas a saber o que é exactamente o jornalismo. (...) Deves explicar que a tua voz é uma voz independente, porque é a independência do jornalismo associada à preocupação de verificar a informação que fazem com que o jornalismo valha a pena — sem as duas coisas não pode existir uma real pretensão de credibilidade.”
Elucidar os leitores sobre as orientações e o funcionamento da redacção e avaliar as opções e o trabalho dos jornalistas é um desafio enorme. Foi, portanto, com alguma apreensão mas também com imenso entusiasmo que aceitei ser o provedor dos leitores.
O PÚBLICO é o jornal de referência a nível do país.
Os três primeiros provedores — Jorge Wemans, Joaquim Fidalgo e Joaquim Furtado — são jornalistas prestigiados.
Por outro lado, tenho a perfeita noção de que a margem de manobra do provedor (advogado privilegiado dos leitores e simultaneamente interlocutor dos jornalistas e da hierarquia do PÚBLICO) será sempre relativa, porquanto não dispõe de funções executivas (não precisa de imprimatur, mas não pode impor rectificações ou alterar regras e procedimentos).
O Livro de Estilo do PÚBLICO (regras éticas e técnicas) constitui, de resto, a principal base normativa à qual o provedor deve recorrer, em nome do rigor e da transparência. E da própria credibilidade do jornal, em última análise.
Sou pago pela instituição que devo escrutinar, mas excluo a possibilidade de um aproveitamento do provedor em nome de qualquer lógica comercial ou de estratégias de marketing, porque acredito que não é esse o projecto da direcção. E nunca tive vocação para figura ornamental...
Na realidade, nada me predestinava para esta função ambígua de árbitro e de intermediário. Foi, aliás, mais por causa da sorte do que das minhas qualidades pessoais que exerci a profissão de jornalista durante 30 anos.
Depois de um simples teste de voz, comecei a trabalhar na “redacção” portuguesa da Radio France Internationale, em Paris, ao lado de Virgílio de Lemos, Costa Camelo, Carlos Saboga, José Manuel Barata Feyo e Álvaro Fernandes.
Era uma equipa deveras curiosa: um poeta, um pintor, um cineasta, um jornalista e um militar foragido (o capitão Fernandes desertara depois de desviar milhares de espingardas automáticas G3 do depósito de material de guerra, em Beirolas, para o PRP). E eu, o jovem licenciado da Sorbonne, o rebelde sonhador, inexperiente na vida e completamente novato no jornalismo (efectuara apenas um estágio no serviço diplomático da AFP).
Iniciei, portanto, a carreira da melhor forma, mas Maria Pons, a chefe da secção, acabou por me despedir porque eu teimava em querer fazer reportagem. Fui imediatamente “recuperado” (promovido) pela redacção francesa da RFI e pouco tempo depois fui nomeado correspondente da agência noticiosa Anop.
Apesar de travar uma verdadeira guerra com a direcção porque gastava demasiado dinheiro com o envio das notícias, consegui a minha primeira cacha: anunciei a morte de Roland Barthes, sem ter confirmado sequer o óbito do pensador. É certo que muitas notícias, cá como lá fora, têm apenas como base uma única fonte, de preferência anónima e sempre bem informada, mas foi um erro que não repeti.
Depois, tornei-me correspondente da RTP. E em 1982 integrei a redacção da Grande Reportagem, em Lisboa. Fui o primeiro jornalista português a entrar em Timor depois da invasão. Tomei o partido dos timorenses (também por causa dos cinco jornalistas da imprensa australiana assassinados pelas forças invasoras).
Outro exemplo: durante a investigação sobre a participação portuguesa no Irangate para a cadeia de televisão CBS News, a empresa pública ANA recusou facultar-me informação sobre alguns voos comerciais.
Usurpei a identidade de outra pessoa e consegui consultar os originais. Constatei que a Southern Air Transport (SAT) transportara “material de defesa” para a Guatemala e que alguém, por lapso, anotara num documento “Destino Final: IL”. Tudo partira para IL (código de Ilopango), o aeroporto dos contras em El Salvador.
O MNE, a Defex e o “diplomata” responsável da antena da CIA em Lisboa não colaboraram, mas com o apoio de um general, um traficante de armas e um empregado do Ritz descobrimos tudo, menos a identidade real de Ronald Favourit, passageiro da SAT, cliente do hotel e operacional da National Security Agency?
Nas reportagens sobre a guerra da Bósnia e o genocídio no Ruanda (as piores situações que jamais vivi), quase deixei de ser jornalista quando pedi uma arma para me defender ou promover-me a “justiceiro”...
É um balanço curto e moderadamente crítico, mas achei que o devia fazer, na medida em que o respeito pelo provedor depende não só das competências como também da sua honestidade. A nossa primeira obrigação é a procura da verdade.
Como escreveu Jorge Wemans, o primeiro provedor do jornal, “os médicos enterram os seus erros, os advogados enforcam os seus, enquanto os jornalistas publicam os erros que cometem”. Eu confesso os meus. É o que acabei de fazer, sem qualquer sobranceria. Os repórteres erram, mas os provedores avant la lettre da época não deixaram de me interpelar. Ainda bem para mim e para o jornalismo.
Enquanto provedor, tentarei (parafraseando o primeiro director do PÚBLICO, Vicente Jorge Silva) suscitar uma linha de esclarecimento e de diálogo pedagógico permanente, fazer do jornal uma obra aberta e interactiva entre quem o escreve e quem o lê.
Procurarei ainda debater questões específicas da prática jornalística em nome do mesmo acréscimo de transparência que pedimos aos outros e da promoção de uma cultura de cidadania. E nunca me esquecerei de que, apesar da competição, da pressão económica e da fragmentação do público, a liberdade de imprensa é o derradeiro esteio da democracia.

Sobre o blog

  • O blogue do Provedor do Leitor do PÚBLICO foi criado para facilitar a expressão dos sentimentos e das opiniões dos leitores sobre o PÚBLICO e para alargar as formas de contacto com o Provedor.

    Este blogue não pretende substituir as cartas e os e-mails que constituem a base do trabalho do Provedor e que permitem um contacto mais pessoal, mas sim constituir um espaço de debate, aberto aos leitores. À Direcção do PÚBLICO e aos seus jornalistas em torno das questões levantadas pelo Provedor.

    Serão, aqui, publicados semanalmente os textos do Provedor do Leitor do PÚBLICO e espera-se que eles suscitem reacções. O Provedor não se pode comprometer a responder a todos os comentários nem a arbitrar todas as discussões que aqui tiverem lugar. Mas ele seguirá atentamente tudo o que for aqui publicado.

  • Consulte o CV de Rui Araújo

Links

Um blog do PUBLICO.PT